Cabeça Gaiola
A escolha dos objetos no processo Ready Made, implicava em uma
transformação, sem alteração física do objeto, que representava uma
transfiguração que deveria ser lida no plano metafísico. Este ato de inversão
obriga o observador a perceber que o objeto foi transplantado do mundo comum
para o domínio da arte. Deste modo um escorredor de garrafas em uma sala
expositiva não é mais um escorredor de garrafas, a mudança não é física tão
pouco estrutural, mas sim cognitiva.
Quando Man Ray apresenta Presente
(1921), um ferro de passar roupas com pregos fixado a sua base. Ele provoca a
descontextualização do mesmo, à medida que lhe tira a funcionalidade essencial
que é a de desamassar roupas por meio de sua base lisa. O objeto sofre uma mudança
contextual mesmo que a sua estrutura formal mantenha-se intacta. Essa situação descompõe
os esquemas cognitivos do observador que não pode mais ler este objeto da mesma
maneira, pois não corresponde aos referencias comuns programados pelas suas
experiências anteriores.
A consciência e a crescente
importância dada ao corpo no século XXI contrastam com a repressão a que estava
submetido até a era vitoriana. As representações que o corpo assume estão
relacionadas aos entraves que o interditaram durante tanto tempo e aos novos
papéis que desempenha na estrutura sócio-econômica desse novo momento.
As expressões artísticas do
imaginário do corpo servem de baliza para a compreensão dessas transformações.
Desse modo, a relevância da reflexão sobre o corpo na arte contemporânea parte
da importância que o tema assumiu em todas as discussões contemporâneas. Segundo
Viviane Matesco (in FERREIRA, 2009) dentro do contexto brasileiro, em termos da
história da arte recente, pode-se definir três momentos para analisarmos a função
do corpo na arte contemporânea. Inicialmente ocorre a valorização do tema nos
anos 1960 e não por mera coincidência. A afirmação de uma ideologia de corpo
autêntico e libertário nesse período contribuiu para construção da imagem de um
corpo puro centrado na experiência física e cotidiana. O segundo momento
envolve a conjuntura da década de 1970, o corpo assume uma efetiva importância
na desmaterialização da arte e no clima de protesto político e contra cultura.
O terceiro momento é relativo à geração 80/90, marcada pela tecnologia e pelo
retorno ao objeto.
Em uma pequena explicação, a partir do ponto
de vista da história da arte, Lucia Santaella (2003, p. 66) pontua as
transformações ocorridas na arte contemporânea, a partir do momento em que as
tecnologias começam a invadir o corpo explicando que:
[...] no momento mesmo em que, na trajetória
da arte do século XX, a exploração do corpo do artista reduzido a si mesmo
atingiu o seu limite, o seu ponto de saturação, no final dos anos 1970, uma
outra grande transformação na relação do artista com o corpo, não apenas seu
próprio corpo, mas o corpo em geral, começou a se insinuar com o advento das
tecnologias computacionais, da engenharia molecular, da explosão das tele-redes
de informação e comunicação e das nanotecnologias.
Na visão da sociologia do corpo,
temos este, como algo socialmente construído e fruto de uma elaboração social e
cultural (LE BRETON, 2006).
De acordo com Le Breton (2006, p.7):
O corpo é o vetor
semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída: atividades
perceptivas, mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de
interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis de
sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o
sofrimento etc.
A Indústria Cultural utiliza
diversas maneiras para difundir padrões de corpos, com o discurso da
felicidade, na busca de um corpo construído conforme a nova ordem estética.
Tudo é descartável e aquilo que não agrada pode ser redesenhado conforme
padrões pré-estabelecidos (ROCHA, 2007). O Corpo contemporâneo é exibido e consumido
em nossa cultura como um objeto sem sujeito, que se modifica e se redefine
através de cirurgias plásticas ou pelos usos da publicidade. Atualmente o Corpo
é expressão de si mesmo e a percepção que temos dele, são apregoadas por representações
visuais que sofrem intenso ritmo de transformações (JEUDY, 2002).
No contexto dessa série, o corpo
é base simbólica e utilitária para expressão artística. As composições
relacionando suas partes ou seu todo a objetos funcionais apresentados de modo original
ou adaptados, tem por objetivo projetar questões que superem a visualidade e
despertem a reflexão para além dos corpos e dos objetos em questão.
REFERÊNCIAS
FERREIRA Gloria, Critica de arte
no Brasil: Temáticas contemporâneas, Rio de Janeiro: Funarte, 2006.
JEUDY, Henri-Pierre. O Corpo como
Objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
LE BRETON, D. A Sociologia do
Corpo. Petrópolis/Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
ROCHA, C. A. A divulgação
científica sobre o corpo na Revista Veja. In: XV Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais... Recife, 2007.
SANTAELLA, Lucia. O papel das
artes na idade do pós-humano, in VENTURELLI, Suzete (org.). Anais do 9º
Encontro Internacional de Arte e tecnologia (#9.ART): sistemas complexos
artificiais, naturais e mistos. Brasília: UnB, 2010.